quinta-feira, 17 de junho de 2010

Divagação

Nesta cama manchada com o sangue
de um holocausto particular,
queimada pelas chamas
que a intimidade de um casal
revelou um incêndio me deito,
e com a companhia única
de minha presença
deflagro a madrugada
com um selvagem sentimento
nostálgico.

Mais cedo, no banheiro,
o cheiro de um perfume
me abateu com uma enxurrada
de lembranças que saboreei
com uma lágrima a molhar-me o rosto...
“O passado é uma fotografia emoldurada:
imortal em sua impassibilidade.”
Pensei, enquanto o aço
de uma lâmina noturna dilacerava
a carne do meu peito
com repetidas estocadas
a cada momento que eu revisitava.
Propus-me uma distração
qualquer para me livrar
da dor lancinante que me consumia.
Não funcionou. Deitei-me então
nesta cama, onde estou agora.

De repente, toda a organização
temporal humana me pareceu
uma fuga covarde e frustrada:
os dias, os meses e os anos
nos açoitam as costas
enquanto corremos
e nos retorcemos a cada golpe.

Por trás dos ponteiros
e dos números esconde-se
uma nefasta mecânica
indecifrável. O tempo é ubíquo,
contudo, somente o conhecemos
por uma ilusão mesquinha:
cruel ironia – uma pequena
cortesia de seus criadores.

No entanto, conforme caminha
a vida de um homem, menos
as datas e os relógios tem
algum significado: os números
embaralham-se e perdem-se
numa névoa portentosa enquanto,
fatigados de existir, ignoramos
qualquer insinuação do presente
e resumimos nossa existência
a um conjunto de imagens
e momentos perdidos...

Buscamos o passado para
nele parecermos imortais...
mas, “na eternidade não há tempo;
a eternidade não é mais que um instante,
cuja duração não vai além de um gracejo.”

Um comentário:

Anônimo disse...

O tempo é ubíquo!
uma constatação simples,composta por apenas 4 palavras, me faz pensar!