terça-feira, 21 de setembro de 2010

A Esperança jazendo no concreto

Não me ocorre pensar em que circunstâncias foi parar ali, tão indefesa e solitária, declamando a sua morte em espasmos cada vez mais escassos, tingindo o concreto com seu verde vivo, estonteante. As formigas a cercavam, nervosas, ligeiras, e a esperança, quase quieta, quase acomodada em sua dor, tremendo vez ou outra, resistindo inutilmente e sem demonstrar muito interesse em resistir. No fundo já sabia: seu destino estava consumado: morreria, era parte de um organismo muito mais vivo que ela própria e que necessitava de sua morte e de muitas outras mortes para manter-se a salvo. Mas, que injustiça, pensamos. E pensamos com a dó de quem a vê morrer e esquecemos do boi que matamos diariamente com mãos de veludo, do frango que esgarçamos e de todo o resto do mundo que matamos para sobreviver ou simplesmente para satisfazer uma necessidade menos básica que a fome, talvez um hábito, talvez um fetiche. Imaginem as formigas diante do banquete, pensativas?, correm direto ao alimento e tiram dele tudo o que podem, mais tarde darão tudo o que podem a alguém que não tem, é certo, também um rosto ou um nome específico, nem uma imagem com a qual se possa tentar o reconhecimento. Não, mas, não. Não se dão dessa forma as coisas. Vamos, fabriquem açúcar, terminem logo esses algodões-doces e salvem a esperança que está lá, já quase perdida entre a massa negra que a engloba, que a diminui, cada vez mais, cada vez mais. E pensemos em nós, imaginem!, pensemos em nós nesse jogo onde estamos com a espada e o boi sem o escudo, ajoelhado na grama esperando talvez o último golpe, ou a última carícia. Talvez digam que é necessário. Talvez eu diga que é necessário. Não me importo. A verdade é que toda verdade nos é condicionada pela situação a qual estamos ligados. Em um instante a mais sórdida mentira se nos torna favorável e estamos dispostos a proferi-la em alto e bom tom, de peitos abertos, cabeça erguida. Assim as coisas seguem seu curso, indefinidamente injustas. Mas, que noção de justiça teremos? A justiça, dizemos, se faz à ocasião. Dêem o perdão ao dito criminoso, ele não é, em verdade, muito diferente de nós que seqüestramos e matamos nossos instintos e desejos primais. Não, deixem-no apodrecer numa cela de cadeia fedendo à merda, escura e úmida, onde os seus dias passarão pesados e dolorosos, esmagando-o contra a parede ensangüentada por seu passado funesto, obscuro e maculado por gestos impensados, impetuosos... Perguntem-se então com sinceridade: o que seria mais belo, inocente e puro que um ato divinamente humano? Seria então o criminoso um deus, disposto a pagar pelos nossos pecados, a sofrer pela nossa culpa, a agüentar em suas próprias costas o peso de nossa rotina avassaladora, sustentando-a com sua dor que em verdade nasce de nossa volúpia, de nossa devassidão quanto a necessidades inventadas pela propaganda... Ah, a propaganda... maldita publicidade!, convencendo as pessoas de que são dotadas de uma espécie de dissolução material: vocês, dizem, nasceram para consumir! Então consumam a si próprios, pois é isso que estamos fazendo. Consumimo-nos insistentemente, sem parar para um descanso, um café ou um lanche para espantar o cansaço. Consumimo-nos. E, ao final, seremos a esperança jogada no concreto frio, e seremos também as formigas, devorando-a sem que se possa apontar o menor indício de culpa, e seremos também o organismo que devorará a formiga, e seremos também algo muito menor e parte do próprio organismo que o destruirá impreterivelmente... Consumimo-nos e, ao final, como dizem ser e, no fundo, a verdade é que querem que seja, seremos homens...

3 comentários:

L'homme Méchant disse...

E no fim somos estímulos; impulsos;sístole e diástole... Só.

Rômulo Pacheco disse...

uma abordagem no geral bem simplista. de qualquer forma, é uma opinião e deve ser respeitada.

para: o homem mau.

Anônimo disse...

Levanos a refletir que não somos animais logo teremos, talvez um dia, a nos comportarmos como homens e humanos.