sexta-feira, 22 de abril de 2011

nada mais

e como que houvessem percebido por detrás da lua as cordas que a sustentam e decifrado o tenebroso cenário no qual estamos inseridos, não, não é essa a palavra, imersos, afogados, sufocados, agônicos... deram um passo para dentro da noite e colheram o fruto insidioso guardado em seu seio: a realidade, vocês podem ver, não existe - e agora como calmamente a minha própria língua, mastigando pedaços ensanguentados de minha carne apodrecida. deixo que caiam as mãos e a cadeira de madeira velha em que estou sentado é agora o trono de um rei empobrecido, decaído em sua moralidade absurda e inconcebível, o derradeiro pranto derramado sem espectadores, soluços ditados no nada, um sorriso irônico em face à morte com a foice empunhada, de novo as mãos caídas, inanimadas, matéria antiga de insensatez a carne, o brilho é vil, dá à tua carne o devido valor do apodrecimento, da mortalidade, e sente que é por ela que sente, a carne e a bandeira sanguinolenta, abastada do vermelho sol da tua vida, da minha e da morte de todos nós, cárcere privado e portas fechadas, nenhum vislumbre nos é permitido, só me resta deitar no chão e estender o meu olhar ao enegrecido céu nu de suas estrelas, deleite reflexivo, a realidade não existe, de qualquer forma é o que temos, no sonho não há fuga senão ilusória, limpo então as lágrimas e a senhora encapuzada me dá as costas, destruo o meu sono e declaro falido o desejo, estou bem sentindo a terra úmida, o capim e as formigas, o hálito frio da madrugada - arquejo dentro do silêncio, sou finalmente aquilo que me pertence. nada mais.

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