É com muito pesar que posto este texto:
Estou preso a essa realidade que me envolve como uma teia de aranha, onde cada fio me abraça silenciosamente, produzindo uma espécie de nostalgia por uma despedida já há muito anunciada. Penso se talvez não fossem o tiro na cabeça ou o salto da ponte as soluções mais eficazes contra o meu problema. Pondero e percebo que não há saída tão fácil, e que um ato impetuoso me causaria muito mais dor justamente por causar dor a toda essa fauna que me circunda. Estou preso, é preciso ser sincero e eliminar qualquer tipo de esperança enganosa. Contudo, percebo, sou eu quem não deseja se ver livre dessa rotina de sonhos de noites e amores idos. Sou eu. E mais uma vez é preciso ser sincero e eliminar qualquer tipo de esperança enganosa. É preciso aceitar que o destino armou sua arapuca e que à sorte escolheu seu alvo. Não há opção de resistência. Há somente uma vaga memória antecipada que se estende ao dia em que um telefonema me acordará desse pesadelo em que estou imerso, tão vivo e lúcido quanto nunca estive. E a voz no telefone dirá arrependida que errou, que me quer outra vez para sussurrar ao meu ouvido eu te amo. Porém - e é necessário que se faça essa intervenção -, a dita vaga memória antecipada não passa de, no fundo, uma cor que se desfaz no branco, um otimismo debruçado sobre o rosto do morto que dá o último suspiro, uma esperança perdida entre tantas desilusões e madrugadas cheias de choro convulso, de baba misturando-se a lágrimas, de soluços tímidos para não acordar ninguém. E, como se sabe, é preciso ser sincero e eliminar qualquer tipo de esperança enganosa. É, e é preciso que se faça o que é preciso. E eu te lembro, agora que já nem é tão importante, eu te lembro: todas as vezes que eu disse, com a voz travada, segurando o choro, tá tudo bem, bem, surpresa: não tava nada bem. E não tá. Não vai ficar. Pelo menos não tão cedo. Sou um gato, baby, mas eu já não quero brincar de desenrolar esse novelo e, no entanto, eu preciso, porque minha vida é o novelo se desenrolar e, se ele para, adeus, minha cara, adeus ao gato, adeus ao novelo, porque eu, gato, só existo para desenrolar o novelo, e o novelo só existe para desenrolar-se e me surpreender com seus nós dolorosos, com seus fiapos que ficam pelo chão e presos no meu pelo, com suas partes puídas por minhas próprias garrinhas – e, nessas partes, é necessário um zelo especial, pois, ao menor descuido, a lã se romperia, e daí às conseqüências finais não se distingue muita coisa. Mantive-me sempre fiel à tua companhia, sem hesitar, sempre vendo o teu rosto em todos os rostos. Desconfio que continuarei assim... Só desconfio, mas, em todo caso, quero que saibas que continuarei fiel à tua memória, e os meus braços te esperam, ansiosos, para caíres mais uma vez deleitosa sobre eles.
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