domingo, 18 de janeiro de 2009

Mais especificamente, ontem

Eu estava doente e tomava remédios até quase vê-los sair por minha boca. Sentia que padecia, queimava, ardia em miraculosa e inexplicável febre. Digo ‘miraculosa e inexplicável’, pois, via-me no espelho do guarda-roupa do meu quarto e via-me como me vejo todos os dias: rosto harmonioso, cabelos grandes, lisos e despenteados, e a tradicional boca torta.
Contudo sentia que eu não era aquilo. Eu era o que sou por dentro, por debaixo da pele sedosa. Eu era a gordura, a carne viva, em vários tons de rubro, os órgãos corroídos pelo pus amarelo das inflamações; eu era a putrefação iminente, o odor detestável das carnes apodrecidas; eu era um ser gripado, um ser doente e, contudo, nada havia em mim – na minha face, na minha máscara e fantasia – que deixasse isso à mostra.
Assim, percebi que eu não só não era o que me via no espelho, como não sou. E nem sou o corpo, a carne em seu estado mais ignóbil e vil, a carne que se desfaz e que se reduz ao húmus que dará, mais tarde, a outro ser, a vida. Eu percebi que sou o que há por trás de cada camada da derme, por trás de cada tecido e por trás de cada coisa que se resume à matéria. Eu percebi que sou mais que isso, que sou o que vocês costumam chamar de espírito.

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