segunda-feira, 2 de abril de 2012

Fatídico

Não posso fugir o chão de agulhas e meus pés frágeis. Eu continuo vendo pelo buraco da fechadura se você está lá arrependida, mas sou e será somente eu e minha paranoia nessa noite que promete ter muito mais que horas escuras e besouros zumbindo me chamando para fora da janela. Cada um que passa aqui em baixo é você em potencial, por isso estou sempre alerta para que quando você passe eu esteja perfeitamente escondido atrás das cortinas debaixo das cobertas com o coração estendido como uma língua salivando contra você então eu te olharia e diria que preciso manter de pé o orgulho embora não consiga e teus olhos chorariam os meus mas quem calará a voz daquilo que já silenciou, quem, mas quem dirá com tamanha mudez exatamente aquilo que eu posso e preciso e sobretudo quero ouvir, o teu cabelo esparramado no meu peito enquanto eu e meus devaneios, tua respiração ofegante e tuas mãos perdidas passeando pelo meu corpo enquanto teus olhos baixinho dizem que me ama e eu sei que é verdade, eu sei que não conseguirias mentir para mim com esses olhos tão claros quanto o desejo incontido e o pecado e o delírio e a culpa, sempre a culpa para que eu não durma só, porque dormir só seria dormir bem e esse é um castigo que ainda não me foi dado. Peço perdão mesmo sem saber por quê, por ter mandado aquela carta ou por ter te sorrido envergonhado, talvez, ou por não poder te ter e não poder me ter e precisar conviver com tantas ausências e chorar tantos mortos ainda não morridos, tu um deles, porque agora é tarde e as estrelas já caíram inebriadas sob o pano da noite e o teu sorriso seria a minha única luz mas já é tarde, teu desenho ainda se distingue na minha imaginação como um anjo que para me salvar teria que sacrificar a si mesmo e por isso eu nego a salvação e me condeno a ser impuro, a ser vil a sentir ainda o teu cheiro na minha camisa, na minha cama e em teus dedos caminhando displicentes sobre meu corpo o teu cabelo a tua respiração o teu sorriso, tu, tu, de novo tu que no teu sono me criou e me fez viver, com aquele rostinho tão doce, sorrindo sonhando e no entanto pesadelos mais atrozes que a minha vontade de abrir o teu vestido e te possuir só minha retalhavam tua calma e a um só tempo nos colocávamos na mesma lama em que já estou acostumado a andar, tu que tão pura, tu que tão bela, tu suja da mesma terra que me engasga enquanto tusso e sufoco, tento te cuspir de dentro de mim mas já é tarde, as estrelas deitadas no asfalto úmido da noite em claro porque meus olhos não saberiam fechar sem vislumbrar a tua imagem, sem permanecer nesse tempo em que já não se pode estar, o terreno calcificado do passado, é preciso lidar com a situação da melhor maneira possível, e a melhor maneira possível é resistir ao apelo fácil do suicídio, é ter em mãos uma barra de chocolate e uma garrafa de vinho bem doce, pra simular o teu beijo, o teu beijo amanhã dentro de minhas malas e então jogados no mar como pássaros atirados sobre um rebanho de ilusões que se desfazem em ondas contra os corais. Eu não amo com a obrigação de acertar.

3 comentários:

Anônimo disse...

"chorar tantos mortos ainda não morridos, tu um deles"

Anônimo disse...

"[...]quem, mas quem dirá com tamanha mudez exatamente aquilo que eu posso e preciso e sobretudo quero ouvir..."

Anônimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=cAT8lM0gVQk